domingo, 27 de março de 2011

OS MIASMAS E SUA EVOLUÇÃO

Tuberculoso



Samuel Hahnemann, o criador da homeopatia, era guiado por uma idéia: aude sapere (ouse saber), em latim, a língua culta da época. Visto de hoje, achava-se além de seu tempo conforme comprova sua vida de estudioso, pesquisador incansável e meticuloso.
Em seu livro “Psyche and Substance”, o psicanalista e homeopata de origem australiana comenta:
“A teoria de Hahnemann a respeito dos miasmas é uma de suas mais significativas contribuições ao manejo das doenças crônicas, ainda que, devido ao presente entendimento de psicopatologia, é, contudo, a mais obscura. Encontrou persistente oposição mesmo entre seus seguidores e com o ridículo fora da homeopatia”
A medicina naqueles idos do século XVIII era confusa, inoperante, na maior parte guiada por idéias extravagantes e sua prática marcada por graves efeitos indesejáveis, coisa que ainda se vê duzentos anos aquém, na terapia com drogas, mesmo considerando os notáveis avanços científicos e tecnológicos ocorridos, principalmente, no século passado.
Hahnemann, homem sobretudo racional, preocupava-se, também, com a causa das doenças, procurando agrupá-las na busca de um sentido para as mesmas. Excluídos os acidentes, envenenamentos e traumas, observou que poderiam ser ajuntadas em quatro grupos: as agudas, as doenças da pele e mais duas outras de origem no contacto venéreo. Às manifestações agudas (gripes, enxaquecas, febres comuns, dores musculares...) conservou com esse mesmo nome. Seriam como as ondas do mar: fazem parte deste, sem serem o próprio.  Às doenças de pele chamou psora (úlceras), cujo paradigma era a onipresente sarna (prurido, coceira; em inglês itch). Nome escolhido, talvez, pelas lesões da pele com infecções subsequentes causadas pelo intenso coçar. Era ela universal e explicável pela higiene desprezada e pelo vestuário de muitas camadas. Só mais tarde viria o hábito de lavar as roupas e passá-las a ferro quente. A esse respeito, Gilberto Freyre, em seu livro “Casa Grande e Senzala”, dá boa idéia do afirmado quando atesta:
“O século da descoberta da América ― o XV ― e os dois imediatos, por toda a Europa, foi época de grande rebaixamento dos padrões de higiene. Em princípio do século XIX ― informa um cronista alemão citado por Lowie ― ainda se encontravam pessoas na Alemanha, que em toda sua vida não se lembravam de ter tomado banho uma única vez. Os franceses não se achavam, a esse respeito, em condições superiores às do seu vizinho. Ao contrário (...) a elegante Rainha Margarida de Navarro passava uma semana inteira sem lavar as mãos; que o Rei Luís XIV, quando lavava as suas, era com um pouco de álcool perfumado, uns borrifos apenas.” (pág 80, obra cit.)
Somente um exemplo que ressalta: se assim era a nobreza, imagine-se o povão! Não é de admirar que as doenças de pele predominassem e levassem Hahnemann a declarar a psora como “mãe de todas as doenças” e a considerá-la inextinguível.
Admira que os perfumes tenham sido difundidos nessa época? Os leques, tão usados nos salões daquele tempo, com seus bailes e reuniões chiques, segundo comentários, não era tanto pelo calor, mas para diluir o odor.
O grupo das doenças de causa venérea era a sicose (gonorréia, figos, excrescências, verrugas, talvez por analogia à aparência de uma figueira carregada de frutos); e a sífilis, a temível doença que começava por um cancro (úlcera) e terminava na paralisia e demência, também chamada de paralisia geral progressiva (PGP), cuja forma clínica ainda podia ser observada até a chegada dos modernos antibióticos em 1950. Ambas, verdadeiras epidemias.
Claro que as doenças ainda não tinham seus quadros clínicos perfeitamente descritos e coisas diferentes faziam parte do mesmo grupo. Por exemplo, diferentes doenças de pele eram agrupadas como sarna (psora). O câncer, doença conhecida desde a antiguidade, foi alinhada ao miasma sifilínico, já que evolui com chagas e destruição.  Tais fatos, absolutamente, não invalidam o esforço do Fundador, antes o colocando como pioneiro.
A esse grupo de três doenças, Hahnemann, nomeou-o Miasmas (semanticamente: mancha, nódoa, corrupção,contaminação) porque não somente enodoavam a saúde do indivíduo como, também, eram transmitidas aos respectivos descendentes.
Em seguida, os franceses nomearam mais dois miasmas, o tuberculinismo e o cancerinismo, as duas grandes epidemias dos séculos XVIII e XIX. O câncer ainda está por aí em plena atividade. A tuberculose rendeu-se à esteptomicina, pelo menos na forma clínica com que se apresentava, porém, segundo a Organização de Saúde, essa doença ainda ceifa mais de trinta milhões de vidas por ano.
Os miasmas sempre causaram polêmica, desde que Hahnemann os apresentou em sua obra “As Doenças Crônicas” (1796) e que lhe custaram doze anos de labor. Posteriormente, mais discussões, aceitando ou não os dois miasmas dos franceses. Atualmente, os homeopatas ainda se dividem diante do tema: desde aqueles que os consideram como verdades evangélicas, passando por bom número de indiferentes, para terminar na minoria que quase utiliza adjetivos pejorativos ao mencionar o assunto.
Rajan Sankaran, homeopata indiano alinhado a Hahnemann, considera os miasmas como mera classificação de doenças e, aproveitando, criou mais cinco deles: reforçou os agudos e nomeou mais quatro, conforme formas clínicas de doenças mais comuns na Índia: tifóide, ringworm (as infecções fúngicas da pele), malária e lepra.
É bom lembrar que, se Hahnemann criou os três principais miasmas após doze anos de estudos, os demais não foram levianos levados por palpites. Todos se basearam em muito estudo, observação clínica, meditação e discussões sem fim.
Assim ficou a lista deles: agudo, tifóide, psora, ringworm, malária, sicose, câncer, tuberculose, lepra e sífilis.
Mais recentemente, Peter Chappel, homeopata e pesquisador do Reino Unido, comprovando seus estudos em trabalho voluntário na África, publicou seu livro “The Second Simillimum” no qual dá atenção especial à AIDS (Síndrome da Imuno Deficiência Adquirida), doença tão divulgada que poderia constituir-se em mais um miasma, destacando-a do sifilinismo. 
Ultimamente, muito se valorizou o aspecto mental e psicológico dos miasmas a fim de diferenciá-los. Como tudo em ciência, entre acertos e correções, o sedimento permanece, somando e enriquecendo o conhecimento.
O miasma sífilis sempre foi identificado com a destruição, a desagregação, a degeneração e a morte. Isso nos leva ao ponto pretendido: o lançamento próximo do livro do holandês Harry van der Zee: “Miasmas no Trabalho de Parto, no qual alguns conceitos são agregados. São novidades que podem modificar o modo de pensar do homeopata, principalmente no que se refere ao miasma destrutivo. Afinal, nesse estudo, há esperança. Conforme mencionado, não são simples sacadas. Pelo contrário, são conceitos muito bem definidos e baseados em estudos do muito que já se publicou a respeito desse assunto, na experimentação homeopática e nos remédios homeopaticamente preparados, além de casos clínicos confirmatórios.
Van der Zee faz um estudo dos miasmas correlacionando-os às conclusões do psicólogo checoslovaco Stanislav Grof: no processo da gravidez e parto criar-se-ia um padrão do qual se serviria o indivíduo em sua vida futura rumo à individuação e consequente evolução. 
São idéias muito interessantes, que vale a pena conferir. Voltaremos ao assunto tão logo esse estudo seja publicado em português.